O Outro lado da moeda


Para todos os gays do Brasil: Para todos os gays nesta parada Vácuo! Vácuo! Vácuo! Estamos chegando na semana da parada gay. Todos estão excitados, festas, pessoas de fora, muito agito. Todos se preparam para estes momentos, fazem ciclos de academia, tatoos, todo um padrão estabelecido, um eterno vestibular. Por que ser gay é tão difícil para algumas pessoas? Por que tantas provas devemos passar? Barriga tanque, corpo sarado, pinto grande, se é passivo ou ativo? Se mora longe, se mora perto? Meu Deus! Como ser gay hoje em dia ficou uma coisa careta. São tantos protocolos, tantas exigências. Pessoas bonitas, lindas, colocando foto sem camisa nas redes sociais. Pra que? O bonito a gente já vê que é, e se a pessoa malha, a própria roupa vai mostrar. Mas existe uma insegurança geral, de gente até muito inteligente que cai nesta. Tirar a camiseta na balada quando está calor, ok, mas ás vezes no frio, estão lá, sem camisa. Não sou hipócrita, e não me excluo destes comportamentos, mas onde vamos parar? A vida gay se tornou um grande açougue. Me passaram um vídeo e todo mundo recebeu de uma suruba no carnaval de Floripa. Fiquei abismado, não pela suruba porque é carnaval e ninguém é santo e sabe o que acontece. Mas como um gay, sabendo que aquilo acontece, tem coragem de filmar e colocar na rede? E outros gays compartilhavam, olha que coisa mais careta, mostrando aquele vídeo, como se fosse o fim do mundo. Moralistas! Eu achei tão triste que todas as vezes que me mandavam eu apagava, porque eu não acho nada disto engraçado. Qual o intuito de queimar o filme de uma classe que ainda é minoria? Para que? As pessoas tem o mesmo discurso que querem alguém, que estão de saco cheio, mas também não se permitem. Se ligo no dia seguinte, sou fácil. Tenho que esperar três dias para não parecer fácil. Parece jogos femininos. E gay, não é mulher. Pode ser mais direto. Por que não ligar no dia seguinte? Por que não sair na primeira noite? Tem gay que pensa que sair na primeira noite queima o filme, que coisa careta. Todo mundo tem potencial afetivo, e sexualidade não define caráter. Odeio estes clichês que "amo gays porque são engraçados" ou divertidos... Tem gay legal, mal caráter, assim como tem heteros legais ou não. É engraçado como no mundo gay as pessoas se excluem. A bicha pintosa não anda com a Bicha Barbie e a Bicha Ursa não anda com as travestis e as lésbicas são super reservadas. Quando você olha uma festa hetero, um pagode, uma balada, tem de tudo: O gordinho que é amigo do sarado, o roqueiro tem um amigão de infância que é nerd, e todo mundo toma cerveja e come churrasco e a mulher com celulite tá casada, a magra também e todo mundo se arruma. Mas para os gays, as coisas não andam assim. Tem todo um padrão a ser seguido. Tem uma hora, que qualquer cara gay, tem que disputar com uma balada. O cara até te acha interessante, mas ao invés de se deixar encantar e quem sabe rolar algo, vai lá e te coloca como uma opção, porque na balada pode conhecer alguém melhor. Como você pode lutar com uma balada inteira? Você não tem chances, porque o cardápio é variado, é tanta oferta, que as pessoas se perdem neste kilão da vida. Quando vai chegando o fim de semana, dá aquela agonia, porque você sabe que corre o risco de ser trocado por uma noite. Ficamos interessantes na segunda, na terça, na quarta, na quinta a coisa começa a complicar. Porque vai ter aquela festa que eu não posso perder, e lá se vai mais um coração humano. Ufa! Ou seja, viramos números, temos sempre que ter o plano B, e as desculpas esfarrapadas, os perdidos , as pessoas marcam e depois se esquecem, gente caída no chão da balada e ninguém se levanta para ajudar, e a música cada vez mais violenta, e mais e mais artifícios para a noite ficar boa, porque a grande e dolorosa verdade é que se a noite está tão boa assim, não precisa de tantos artifícios. Conhecer alguém é um terror, porque você não sabe como se comportar, fica inseguro, não sabe se vai rolar ou não, você fica perdido , porque o que é marcado é desmarcado em cima da hora por algo supostamente interessante. É tudo tão metódico e militar, que as coisas não fluem. Eu fico triste e feliz, porque já vivi outros momentos. Já recebi flores, já mandei flores, amei, fui amado, fui fiel e também infiel, já dei barraco na porta de namorado, já briguei porque estavam dando em cima de quem eu gostava, já tive uma sala cheia de bexigas de coração, com uma música romântica, já gravei fitas com músicas de amor e entreguei e fiz surpresas. Já vi gente chorar por mim, já chorei por muitas pessoas. Já fucei em celular, agenda, por ciúmes. Porque isto é ser humano, com seus erros e acertos. Tenho histórias para contar. Fico pensando nesta geração gay de agora: Será que sentirão estas emoções? Será que vão ter um "eu te amo de verdade"? Será que alguém vai receber flores, até porque flores são mais lindas e baratas do que uma droga na balada? Falo isto de carteirinha, porque conheci a Gents, a Corinthus, o HS a Nostro Mundo, a Level, Rave, todas e todas. Vi amigos morrendo de aids, vi amigos sendo chifrados, conheci travestis de almas lindas e gays de alma podre, rapazes de programa com mais caráter que gays doutorados e vice versa, enfim. Mas... Cadê a atitude, a gentileza? Os aplicativos com partes do corpo, ou seja, você não é uma pessoa, é um pedaço de carne. Porque eu não vejo uma bunda andando sozinha por aí, ou um pinto indo comprar um jornal na banca. Sexo é tão bom, mas tem que ser assim, catalogado? Uma pessoa é excluída por que não tem um pinto de tamanho ideal ou por que não tem a barriga tanque? E o beijo? E a pele? E a pegada? As próprias revistas gays colocam este padrão, como se o amor e a ternura, só acontece na juventude e na beleza. Gay já nasce com complicações, porque vamos falar a real, nenhuma mãe sonha em ter um filho gay, muitas aprendem a respeitar, ou amam incondicionalmente ou não entendem. Mas nos meus quase quarenta anos bem vividos eu ouvi uma mulher falar: "meu sonho é ter um filho gay". Se uma cantora declara que quer um filho macho e não gay, é condenada e massacrada, e eu te pergunto, onde está a democracia? A pessoa tem o direito de se expressar e não querer um filho gay. Esta imposição de sair do armário, acho isto tão violento, a pessoa sai se ela quiser, não podemos obrigar ou exigir que a pessoa se assuma. A pessoa tem todo o direito de não se assumir. E afinal, o que é assumir? Ninguém se apresenta como "oi, sou Sheyla, sou hetero, oi sou Gustavo sou bi. O assumir é com você mesmo, é algo íntimo, não uma publicação. É muita função... Você pode apenas ser você. Vácuos. Perdidos. Trocados Mercadoria... Escravos de redes sociais, e barrigas tanques. A pessoa malha para causar e não pela saúde. Adoro o hedonismo, mas até certo ponto. E não foi a barriga tanque que mudou a humanidade. Foi o cérebro. Sei lá... Não me sinto amargo ou velho, são apenas observações e questionamentos. Porque no fundo, bem lá no fundo todo mundo tem um coração. E ele dói. Cada perdido, cada cano, cada troca ou mentira vai trincando... E as pessoas fingem que não acontecem nada, porque afinal temos a geração dos remédios. Anestesiados. Aparentemente. Porque sabemos que vamos sentir uma hora ou outra. Gays, não se cobrem tanto. Gays, não são só pedaços de carne. Gays, por favor, relaxem e se permitam. Não resuma a sua vida a uma academia, a uma balada e uma barriga tanque. Podemos ser muito mais. Uma sexualidade não pode definir sua vida. Os heteros, andam dando um banho nos gays, porque se casam, se relacionam, se separam, fazem brigas, ficam chateados... Enquanto os gays estão ficando robóticos. Nesta hora, sempre me lembro do meu colega de trabalho, o Carioca, imitando o Lulu Santos, cantando Tempos modernos. E fico na esperança da música. Chega de padrões, não somos vacas para seguir rebanho. E o chic agora, meu bem, é olhar nos olhos, curtir um cinema e a pergunta mais difícil, mais pesada e considerada cafona fica no ar: "Quer namorar comigo?" Simples assim. Boa parada gay.
*Evandro Santo

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