Era
uma vez um menino de 13 anos chamado Danilo que morava no extremo leste da
maior cidade da América do Sul, mais precisamente na Vila Yolanda II, distrito da Cidade Tiradentes,
São Paulo/SP.
Danilo
morava com seu pai, sua madrasta e seus dois irmãos, todos muito religiosos. Tinha acabado de entrar em
sua adolescência, estava na 7ª. série do ensino fundamental, era estudioso e
educado, mas de uns tempos pra cá andava
um pouco calado.
Não
jogava bola, não era fã de figurinhas, e não se tem notícias de que gostava de
algum esporte. Nunca brigou na rua, não era de soltar pipas, de brincar com carrinhos ou
de bolinhas de gude. Na verdade, Danilo era bem na dele.
Danilo
morava numa das regiões mais pobres de São Paulo, lugar onde a presença do
Poder Público é quase inexistente e a Lei da Selva é a única conhecida, logo, ou se é forte ou perece.
Na
madrugada do dia 06/12, Danilo trancou-se no quarto que dividia com o
irmão, amarrou um fio de telefone em um suporte de televisão, e se
enforcou. Só
foi encontrado pela manhã. Ele só tinha 13 anos.
Poucas
pessoas
souberam de seu passamento, a notícia não foi publicada em nenhum
jornal, até porque as mortes na periferia são tão comuns. A polícia
provavelmente tratou como mais uma morte como outra qualquer. A morte
prematura comoveu os vizinhos, mobilizou algumas
pessoas e depois de algumas horas a Vila Yolanda II seguiu o seu caminho
(É preciso
cuidar de quem ficou, disseram alguns).
Nossos
caminhos (não) se cruzaram por acaso, trabalho na mesma rua em que Danilo
morava e na manhã do dia 06/12, quando cheguei para mais um dia de trabalho,
encontrei muita gente chorando pela rua tentando entender o que leva um
garotinho de 13 anos por fim em sua própria existência. E essa também foi a primeira
pergunta que me fiz.
Sempre
atuei na Proteção Especial/SUAS e desde abril deste ano trabalho com
adolescentes em conflito com a lei, faço acompanhamento das medidas
socioeducativas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade.
Meu local de trabalho, na Vila Yolanda II, fica em frente a casa em que Danilo
morava e onde sua vida teve fim,.
Em meio da comoção que tomou a população, todo mundo tentava entender o que
levaria um adolescente de 13 anos a cometer suicídio. Para mim, algumas
respostas começaram a aparecer antes mesmo que seu corpo fosse levado de lá.
No
mesmo dia, atendi vários adolescentes impactados pela morte do garoto, todos
quiseram falar sobre o sentido e sobre a finitude da vida, e também sobre a trágica morte de Danilo. Ouvi coisas me
chamaram a atenção, os meninos contaram coisas do tipo:
-
Então senhor, o menino se matou mesmo né?
Que coisa... Ele era meio assim, meio viadinho... sabe né? Meio bichinha...
-
Sabe como é né senhor? Ele era meio
fresco, o irmão batia, o pai batia, a madrasta batia... Era pra ver se ele
virava homem.
-
Então ‘sor’, os meninos passavam a mão nele...
Colocavam ele no meio da roda e faziam “tchu-tchu”, encoxavam mesmo, sabe como
os moleques são doidos né? – Não, não sei, disse eu – Ah, eles passam a mão, ele queria ser mulher, e a gente... É lógico
que o senhor sabe...
- O pai dele não
aceitava... O irmão, que é meu “parça” não aceitava muito também, batiam
nele...
Conversei com alguns educadores que atenderam Danilo na instituição que fica ao lado de
sua casa, equipamento mantido pela mesma ONG em que atuo e onde almoço todos os
dias, que contaram o seguinte:
- Ele não vinha aqui
fazia um tempo, era um bom menino, inteligente, prestativo e bem animado. Com o
tempo foi ficando mais calado, amuado, e parou de vir para as atividades, nós
o víamos ali na rua, tentamos trazê-lo de volta, mas ele não aceitou...
Trabalho
com adolescentes há anos, amo estar com adolescentes, creio que é uma fase da
vida em que se têm todas as possibilidades da vida na mão, em que se pode ser o
que quiser. É a fase da descoberta, das crises, do desafio, do querer voar do
ninho. Penso
que adolescentes tem em si todas as possibilidades do mundo, é um momento em
que se pode experimentar, tentar de tudo, recomeçar, mudar de ideia, chorar,
rir, ser grande e pequeno ao mesmo tempo.
Me
assusta saber de que um garoto de 13 anos, que morava do outro lado da
rua, abriu mão de tudo isso, que abriu mão de todas as suas
possibilidades
e chegou ao ponto de acreditar que a vida não valia a pena, que era
insuportável viver em um mundo onde não era reconhecido como sujeito,
onde não
podia viver suas potencialidades, se apoderar de suas possibilidades, e
simplesmente escolher o caminho que melhor lhe convinha: ser quem
realmente era.
Me aterroriza saber que neste
momento muitas pessoas estão sofrendo as mesmas agressões que Danilo sofreu, o mesmo tipo de violência, e
que não há ninguém que olhe por elas. Me deprime lembrar que passei pelas
mesmas agressões, que fui rotulado, que me apontaram o dedo, e que me fizeram
acreditar que minha forma de ser era errada, antinatural, suja, demoníaca, passível
de castigo e que eu devia morrer.
Me preocupa saber que neste momento, milhares de crianças e adolescentes passam pela mesma situação sem que ninguém esteja por perto para dizer: - Vai ficar tudo bem, você é perfeito do jeito que é e não tem nada de errado com você! Que não há ninguém para orientar e dizer que podemos e devemos ser quem somos, sem amarras, livres!
Me preocupa saber que neste momento, milhares de crianças e adolescentes passam pela mesma situação sem que ninguém esteja por perto para dizer: - Vai ficar tudo bem, você é perfeito do jeito que é e não tem nada de errado com você! Que não há ninguém para orientar e dizer que podemos e devemos ser quem somos, sem amarras, livres!
Me enfurece saber que neste momento
existem pessoas agredindo impunemente, molestando, violentando, discriminando, usurpando e
negando direitos, violando, sem que nada seja feito. E é nesses momentos que penso que a
necessidade da criminalização da homofobia, da criação de políticas públicas
que possam atender as demandas das pessoas LGBT, que garantam nossa
integridade, nossa vida e nosso direito de ser quem somos e como somos se faz
urgente.
E
me entristece ter passado perto deste rapazinho sem cruzar o seu caminho antes
que fosse tão tarde e quando nada mais podia ser feito, sua vida já tinha se acabado
naquele fio de telefone.
Danilo, não te conheci, mas não te esquecerei.
Danilo de Abreu Santos, presente!
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