Nem psicólogos, nem cristãos



Gilmaro Nogueira

Uma polêmica de tempos atrás retornou nos últimos meses, em que alguns psicólogos cristãos reinvidicam o direito de, em sua prática profissional, curar a homossexualidade de sujeitos que demandem esses serviços.

Desde março de 1999 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) proíbe que os psicólogos exerçam qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas.

A resolução 01/99 é uma resposta do CFP a uma grande quantidade de práticas psicológicas que visavam curar os homossexuais. Na verdade, é bom ressaltar que o CFP foi à última instituição científica a despatologizar a homossexualidade. Outras instituições já haviam se manifestado, tais como: Associação Americana de Psicologia – APA (1975); Organização Mundial de Saúde – OMS (1991). No Brasil as seguintes instituições também se manifestaram: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – ABPC (1981); Associação Brasileira de Antropologia – ABA (1982); Associação Brasileira de Estudos Populacionais – ABEP (1984); Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais – ANPOCS (1984); Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP (1984); Conselho Federal de Medicina (1985).

A despatologização da homossexualidade por essas instituições significa dizer que não há pesquisas que comprovem que a homossexualidade é doença, assim como há pesquisas que mostram que a homossexualidade é apenas uma das múltiplas possibilidades da sexualidade, logo a patologização não é uma postura de promoção de saúde, mas de mal-estar.



Os “bons” indivíduos que querem curar os gays apoiam suas práticas na Bíblia ou em crenças cristãs. Por sua vez, a psicologia enquanto ciência se apoia em pesquisa e produção técnica. A Bíblia não é uma produção da psicologia, logo uma psicologia cristã é uma falácia, uma mentira.

Outro grande erro é justificar a terapia de mudança de orientação sexual quando os indivíduos pedem ajuda e falam de seu sofrimento em ser gay. Em outro texto tratei desse sofrimento gay, para dizer que esse mal-estar é social, é produzido pelo preconceito da sociedade. Assim, a ação desses psicólogos aumenta esse sofrimento, colabora para a exclusão e estigmatização.

Deveríamos questionar esses psicólogos, o que fariam se um paciente os procurar reclamando do racismo, se eles iriam propor embranquecer a pessoa ou se a ajudariam a lidar com o preconceito e aceitar sua cor, raça e desenvolver uma atitude positiva sobre si mesmo? Esses psicólogos não entenderam que não podemos sair patologizando as diferenças, a partir de nossa concepção de mundo. Deveriam ter estudado o conceito de etnocentrismo.

Lembro que certa vez uma amiga questionou um psiquiatra se o fato de que alguns cristãos afirmam verem seres celestiais, ouvirem vozes – revelações, não se configurava como esquizofrenia. Minha amiga usava a Classificação Internacional de Doenças (CID 10) para sustentar sua crença na religião como patologia, nos seguintes itens:

F20: Delírios de controle, influência ou passividade, claramente relacionados a movimentos do corpo ou membros ou pensamentos, ações ou sensações específicos; percepção delirante / Vozes alucinatórias fazendo um comentário contínuo sobre o comportamento do paciente ou discutindo entre si ou outros tipos de vozes alucinatórias vindas de alguma parte do corpo / Delírios persistentes de outros tipos, culturalmente inapropriados e completamente impossíveis, tais como identidade religiosa ou política, poderes e habilidades sobre-humanos (ex., ser capaz de controlar o tempo ou entrar em comunicação com seres alienígenas).

F21: Crenças estranhas ou pensamento mágico influenciando o comportamento e inconsistente com normas subculturais.

Lembro que meu professor a repreendeu, disse que há psiquiatras que consideram as manifestações espirituais não explicadas pela ciência como esquizofrenia, mas que não podemos cometer esse erro etnocêntrico.

Concordo com esse professor e psiquiatra, não devemos sair patologizando as crenças e vivências alheias, nem dos homossexuais, nem dos religiosos. Precisamos aprender a respeitar os dois lados. A patologização mostra nossa incapacidade de olhar as diferenças sem a ótica da anormalidade e mostra nossas próprias deficiências.

No caso da patologização da homossexualidade, notícias recentes mostram seu erro histórico. O psiquiatra que defendeu essa atitude declarou recentemente que cometeu um erro, e pediu desculpas, e a maior ONG que realizava essas terapias, a Exodus, acaba de divulgar que desistiu de curar homossexuais, primeiro porque não tem como provar que essa cura seja eficaz e também porque considera que essa atitude não faz parte da mensagem bíblica.

Esses psicólogos cristãos, nem são psicólogos, pois não usam as concepções científicas da psicologia, apoiando sua atuação profissional em suas crenças preconceituosas; tampouco são cristãos, uma vez que desconsideram um ensinamento bíblico: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (Mateus 7:1) / “Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e soltar-vos-ão” (Lucas 6:3).

O CFP deveria fazer um grande favor à sociedade, excluir esses psicólogos de sua base de dados e mandá-los para suas igrejas, onde o uso que fazem da bíblia, justifica seus preconceitos.

Fonte:Ibahia

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